domingo, 11 de julho de 2010
Profissão: taxista
A tarefa é clara e simples: levar o passageiro pro destino que ele quiser. Mas dela sempre duvidaram. Achavam que se perderia, que fecharia alguém, que não daria seta, que passaria o sinal vermelho. Mas não. Pro seu governo, ela tem um raciocínio espaço-geográfico de invejar qualquer carteiro. Sabe trocar pneu, faz controle de embreagem na ladeira com perfeição, e identifica que o problema é no carburador só pelo barulho.
Tem medo de trabalhar à noite. “Sabe como anda a violência, né?”. Mentira. Não trabalha à noite porque bebe e não gosta de misturar prazer com trabalho. Mentira. Às vezes mistura sim. Carrega o mundo no carro. O mundo não, o necessário para dar uma repaginada no visual no final do expediente: batom, base, secador de espinhas, pente, elásticos pro cabelo e mais alguns cosméticos que caibam no porta-luvas. Em baixo do banco de motorista leva sempre uma sacola com uma muda de roupas e uma calcinha limpa pro caso de misturar prazer com trabalho e dormir num lugar não planejado, com algum passageiro gatinho. No tapa-sol tem um espelho. Na bolsa, uma arma.
No ponto em que trabalha não tem amigos. Inimigos, talvez. Uma vez dormiu com o Jerônimo, taxista antigo do ponto. Ficou mal falada. Não bastando ser taxista ela ainda faz sexo-sem-compromisso com colegas de ponto. “Meu deus, será que essa moça não tem mãe?”. Ter até tem, mas gosta mesmo é do pai. Mecânico, foi ele quem a ensinou a gostar de carro, graxa e cheiro de gasolina. A mãe, ah..a mãe não faz nada de mais.
Às vezes, quando fica horas presa num engarrafamento - calor de 35 graus - seguido de chuvas torrenciais que alagam as ruas em apenas 5 minutos, ela até acha que deveria ter escutado a mãe e ter sido professora. Profissão de mulher. “Mulher nasceu pra ensinar, pra educar”. Talvez. Mas ela gosta mesmo é de ser taxista. Desbravar ruas desconhecidas, ouvir milhões de histórias de passageiros, tirar um cochilo quando quiser no seu próprio ambiente de trabalho, fazer seu horário. Recentemente decidiu que não trabalharia às sextas-feiras.
Odiou quando criaram a Lei Cidade Limpa. Poxa, aqueles outdoors, aquelas fotos enormes nas faixadas dos prédios, aquele colorido constante pelas ruas... era tão bonito! Distraíam nos momentos de descanso e serviam como referência para achar ruas nos momentos de trabalho. Também odiou a Lei Seca. Mas por motivos outros.
Faltou uma informação importante: ela tem dois filhos. De pais diferentes. “Um é DJ e o outro é um japonês que vive lendo”. É verdade que desconta neles um pouco do machismo que, eventualmente, sofre. Nenhum deles se orgulha da profissão da mãe. Quem sabe um dia.
Sonha em levar um passageiro famoso. Pode ser atriz, político, jogador de futebol. Mas seu sonho mesmo, de verdade, é ser dona de uma frota. De uma frota só de taxistas homens. Aí sim ela poderia descontar o machismo que, cotidianamente, sofre. Oxalá ela consiga (ou eu temo pelo futuro do DJ e do japonês que vive lendo).
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