sexta-feira, 16 de julho de 2010

MACHO DA VEZ - Espaço pra outros olhares, complementos ou até revanchismos por parte deles

Diz o ditado

Quem disse? Ninguém sabe
Faz tempo, mas cabe
Quem sabe, quem disse já sabia
Que até hoje caberia

Diz o ditado popular
Terra alheia, vai devagar
Não avança qualquer sinal
Nem tudo que é mole é mingau

Porém, se um dos dois abrir a roda
O que não mata engorda
Bota a água no feijão
Tempera como quiser
Vazio saco não
Pára de pé

Pois é, o que não falta sobra
Já que Deus não dá asa à cobra

Quem disse? Ninguém sabe
Faz tempo, mas cabe
Quem sabe, quem disse já sabia
Que até hoje caberia

Diz o ditado, não anuncia
Perde a caça gato que mia
Acende a chama, controla a brasa
Cão ensinado não suja a casa

E se pra peixe a maré não tá
Não adianta reclamar
Puxa a rede, amarra o bode
Vai pra casa descansar
Com mandinga quem não pode
Não carrega patuá

E tá tudo certo
Pois não se atira pra matar inseto

Quem disse? Ninguém sabe
Faz tempo, mas cabe
Quem sabe, quem disse já sabia
Que até hoje caberia

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Manifesto

Eu preciso me manifestar contra o mito do amor materno. Amor materno não existe pelo simples fato de que não há como defini-lo. Religiões definem o que são suas crenças, quem é seu deus. A física define até aquilo que nunca nossos olhos vão ver. A psicologia define o que é o ser, os limites do corpo, o desejo. Agora, eu desafio, quem vai me dizer o que é o amor por uma filha? Como ele é?

Paixão, ou amor a primeira vista, você ama sem nem que o sujeito abra a boca e fale alguma coisa, só de ouvir a musica dela tocar na rádio, você ama. Tem o amor-de-vó, o velho papo de ir aprendendo a amar com o tempo, com a convivência, e acaba rolando isso mesmo. Tem daqueles amores que doem demais, que vem junto com problema, com perigo, tensão e arrependimento. Eu já vivi o amor de completude, aquele que vem junto com uma pessoa que forma um par e a gente dança pela vida e para o mundo, traz alegria, traz felicidade, engrandece e pacifica.

Pois então, com filha é tudo isso e mais 18Kg. Algumas filhas fazem você se apaixonar só de saber que ela existe, ali dentro da barriga, ou quanto toca o batuque de 160 batimentos por minuto. Daí a primeira vez que se olham, mãe e filha se desconhecem completamente, mas o tempo, a convivência diária, vão cozinhando em banho-maria essa relação de cuidado. Tanta vida assim, tão junto, faz tudo ficar macro, qualquer medo é pavor, uma tristeza é desespero, qualquer deslize é erro mortal, isso é bem ruim às vezes. Cuidando, recebendo e trocando carinho e interesse, o contato pele com pele, o olhar já conhecido, aquela confiança, uma criança que eu amo indefinidamente.

Não existe o comportamento de quem ama, não existe cartilha de amor de mãe, não existe hora, não há medida. E digo mais, mais isso é só para as fortes: todo dia eu me afasto um pouco mais da minha filha, um tanto que também não se mede, um tanto por dia para que um dia eu seja capaz de viver sem ela, assim como ela há de ser capaz de viver sem mim.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Chau número cuatro

Cadê a merda da minha razão?
Onde afinal se meteu teu bom senso?
Botamos tudo fora, voltamos a ser crianças.
Se é essa a poesia que nos resta, eu a eternizo
com esse punhado um pouco doído
de candentes e francas lembranças.

Redenção

Chegou feito o meu próprio gozo
- lento e forte, imprevisível.

Era antes um moleque que brincava,
E agora me encar(n)ava, desbocado.

Inesperadamente cresceu
inda sem jeito, mas de verdade,
dentro, fora, tresloucado.

A impressão primeira
é que supomos ser superfície
o que também interpretamos como pecado.

(mas eu aposto que é redenção!)

domingo, 11 de julho de 2010

Profissão: taxista


A tarefa é clara e simples: levar o passageiro pro destino que ele quiser. Mas dela sempre duvidaram. Achavam que se perderia, que fecharia alguém, que não daria seta, que passaria o sinal vermelho. Mas não. Pro seu governo, ela tem um raciocínio espaço-geográfico de invejar qualquer carteiro. Sabe trocar pneu, faz controle de embreagem na ladeira com perfeição, e identifica que o problema é no carburador só pelo barulho.

Tem medo de trabalhar à noite. “Sabe como anda a violência, né?”. Mentira. Não trabalha à noite porque bebe e não gosta de misturar prazer com trabalho. Mentira. Às vezes mistura sim. Carrega o mundo no carro. O mundo não, o necessário para dar uma repaginada no visual no final do expediente: batom, base, secador de espinhas, pente, elásticos pro cabelo e mais alguns cosméticos que caibam no porta-luvas. Em baixo do banco de motorista leva sempre uma sacola com uma muda de roupas e uma calcinha limpa pro caso de misturar prazer com trabalho e dormir num lugar não planejado, com algum passageiro gatinho. No tapa-sol tem um espelho. Na bolsa, uma arma.

No ponto em que trabalha não tem amigos. Inimigos, talvez. Uma vez dormiu com o Jerônimo, taxista antigo do ponto. Ficou mal falada. Não bastando ser taxista ela ainda faz sexo-sem-compromisso com colegas de ponto. “Meu deus, será que essa moça não tem mãe?”. Ter até tem, mas gosta mesmo é do pai. Mecânico, foi ele quem a ensinou a gostar de carro, graxa e cheiro de gasolina. A mãe, ah..a mãe não faz nada de mais.

Às vezes, quando fica horas presa num engarrafamento - calor de 35 graus - seguido de chuvas torrenciais que alagam as ruas em apenas 5 minutos, ela até acha que deveria ter escutado a mãe e ter sido professora. Profissão de mulher. “Mulher nasceu pra ensinar, pra educar”. Talvez. Mas ela gosta mesmo é de ser taxista. Desbravar ruas desconhecidas, ouvir milhões de histórias de passageiros, tirar um cochilo quando quiser no seu próprio ambiente de trabalho, fazer seu horário. Recentemente decidiu que não trabalharia às sextas-feiras.

Odiou quando criaram a Lei Cidade Limpa. Poxa, aqueles outdoors, aquelas fotos enormes nas faixadas dos prédios, aquele colorido constante pelas ruas... era tão bonito! Distraíam nos momentos de descanso e serviam como referência para achar ruas nos momentos de trabalho. Também odiou a Lei Seca. Mas por motivos outros.

Faltou uma informação importante: ela tem dois filhos. De pais diferentes. “Um é DJ e o outro é um japonês que vive lendo”. É verdade que desconta neles um pouco do machismo que, eventualmente, sofre. Nenhum deles se orgulha da profissão da mãe. Quem sabe um dia.

Sonha em levar um passageiro famoso. Pode ser atriz, político, jogador de futebol. Mas seu sonho mesmo, de verdade, é ser dona de uma frota. De uma frota só de taxistas homens. Aí sim ela poderia descontar o machismo que, cotidianamente, sofre. Oxalá ela consiga (ou eu temo pelo futuro do DJ e do japonês que vive lendo).

quinta-feira, 8 de julho de 2010

uma carta

Olá meu pequeno gigante,

fiquei alguns meses sem notícias suas. sempre que ia pegar a conta de luz com o carteiro, procurava algum envelope pálido com letras cadentes. não te perdoaria, mas hoje estou radiante como se tivessem colocada uma estrela pontuda desenhada por criança bem no meio da minha testa. descobri o que é arte.

outro dia, acordei de madrugada e a luz da geladeira me deprimiu. cheguei a procurar um revólver, mas não tinha nenhum na casa.

Andei de mãos dadas com meu senhor. ele é tão calmo... o único problema é que não me faz sorrir. andamos pela costa e ele me apresentou como sua "pequena raiz de flor" (o que em francês soa muito mais romântico).

minhas cobertas vermelhas se rebelaram contra mim. me deram uma febre incrível e um grande calor no corpo. ela esteve aqui de novo. com a mesma camisola branca e os pés descalços. o cabelo desta vez estava solto, sem aqueles ridículos prendedores dourados. desta vez fui mais educada e ofereci café. ela não quis. não disse nada, só ficou me olhando com aquela cara de garça infeliz.

preciso te contar de um sonho estranho. tive uma colega no jardim de infância que era muito gorda e estava comendo o tempo inteiro. ela me fazia feliz, pois eu sabia que sempre estaria melhor do que ela. desde nova essa crueldade me persegue.

nos meses passados da adolescência, enquanto chorava em algum banheiro escuro, bêbada e de quatro, eu soluçava: "onde está você, ana?" essa menina misteriosa acompanhou todas as minhas crises. enfim, sonhei que ana dançava com alain delon no meio de um rio. não sei se ela morreu ou se deixou de ser patinho feio.

de qualquer jeito não posso mais escrever. pouco a pouco a pele rasga.

até mais, meu caro.

Primeiro beijo

Eram cinco meninos para cinco meninas. Ou seis? O que importa é que estava tudo lá: a luz que pisca (tem um nome essa danada, mas quem cresceu na década de 90 há de lembrar: tinha a azul, a roxa, a vermelha. E elas rodavam), as balinhas de hortelã espalhadas em forma de coração, uma coletânea de música lenta de arrasar. Meu deus, como a gente estava nervosa. Eu já tinha escolhido o meu: o rapaz alto, que já tinha voz grossa com seus onze anos, que parecia saber tudo de tudo.

Mas nosso sistema de escolher o par era complexo e democrático: todo mundo tinha direito a voto. E entre primeira e segunda opção, fiquei com minha segunda. Ok, ainda está valendo.

Fomos para a pista de dança: um pedaço da sala da casa da amiga, enquanto os pais tentavam dormir no quarto lá dentro. A música lenta faz sua abertura. As mãos suam tanto que aprendo a dar uma limpadinha no ombro do parceiro. Parceiro este que estava há uns seis metros de distância, segurando nervosamente minha cintura.

Eis que começa: “what´s up?”, minha música favorita número um desse ano. Nossa, é agora. Vem ele, o beijo. Meu deus, vou saber como? O que faço com a língua, a boca, os dentes, os lábios? E se ele não gostar? E se eu ficar com fama para todo o sempre de ter o pior beijo de toda a sexta série do colégio?

Mas aí a luz se apaga um pouco mais. O abraço se aperta. Ele abre a boca. Eu abro também. Vem uma língua enorme me incomodar. Fico lá, esperando o tormento acabar. Estou beijando? É isso? Nossa, achei que era coisa melhor. E essa baba toda, faz parte?

Pronto, acabou. E foi beijo mesmo, balaço, de língua, salada mista. Fico feliz de novo. Ufa, passou. Com licença que vou ali. Oi? A música nem acabou. Mas preciso, com licença, tchau.

A legião de cinco (ou seis?) amigas vem atrás. Vamos para a garagem, para eu contar tudo do grande momento. Antes de falar, é tanta emoção e enjôo que eu... vomito!

Vomitei, minha gente, ainda bem que disfarçado atrás do botijão de gás. Nem liguei. Voltei para a sala altiva, cabeça erguida, toda mulher.

Sem café da manhã

A tua presença
no quarto
que era pago
mas o amor era de graça
era simples e fácil
mas o quarto este era pago
e frio
e esquisito
eu era alheia ao quarto

tanto faz se fosse neste ou naquele
eu queria que fosse pra sempre
mesmo que a janela desse para área de serviço
e eu tivesse que esticar o pescoço para ver os pássaros
e árvores do outro lado
e o canto dos pássaros disputassem com o bater das panelas e xícaras
ou que no meio da noite
a gente pudesse escutar os gritos
de outras pessoas sendo ou fazendo alguém feliz,


Para mim nem era pouco e nem era demais,
era completo, mesmo que fosse rápido e que fosse
estranho, era o que eu tinha de mais poético,
ouvir você recitar Brecht na manhã seguinte, mesmo correndo e com fome...

Essa era a medida da beleza, e eu quis mesmo assim
e nem perdia tempo pensando
que poderia acabar, para mim tinha sido já pra sempre...
deve ser por isso que eu sempre lembre...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

MACHO DA VEZ - Espaço pra outros olhares, complementos ou até revanchismos por parte deles

Todos ou todas, qual a diferença?

Patrick Mariano

Maria foi mãe do Jesus, que na época ainda não era "o cara". Além de mãe daquele que na época não era "o cara", Maria era virgem, santa e pura. O filho foi processado, julgado e sem direito a defesa, condenado à morte. Pobre coitado, com certeza era pobre e preto, ou apenas bem pobre. Pobre e preto ou apenas bem pobre, só tem advogado quando há defensoria e, na época em que ele ainda não era "o cara", não tinha. E Maria sofreu, chorou e ficou aos seus pés, na ponta de baixo da cruz.

Tal história de injustiça e sofrimento ressalta hoje, o papel do Filho e também, é claro, o da mãe. O modelo de mãe. O julgamento mais famoso da história ocidental, foi mal interpretado e, sobrou pra alguém a conta dessa mal interpretação: a Mãe.

A Mãe tem que ser como Maria, pura, virgem, santa.

Ela não pode ter falhas, já o homem pode, porque ele foi o sacrificado. Mesmo que, aos 47 do segundo tempo tenha se revoltado contra o Pai, que nem ali tava.

E assim, tudo se construiu no ocidente. Ontem, 2010 anos depois dessa história, o Datena ressaltava que a Mãe do filho do Bruno quis ter relações com ele por interesse, pela mesada, pela pensão, como se isso fosse o central, esquecendo-se que ela quem, possivelmente, foi a sacrificada.

A trepada que eu nunca dei

No final do décimo quinto copo de cerveja, caiu a realidade. Não, esse cara nunca vai me dar mole. E não vai dar porque ele é o cara. Ele é inteligente, é sensível, é talentoso, fala manso, mas tem a voz grossa e um sotaque irresistível. E ele é lindo. E tímido.

Sim, havia uma esperança no começo da noite. Um olhar flagrado, uma vontade dele de se aproximar. Mas não se aproximou. Será que não dei abertura? Não, certeza que dei. Puxei conversas, falamos de filmes, de futebol, de bebedeiras. Fiz piadas, ri das dele com sinceridade. Fiz as unhas, lavei o cabelo com mais carinho que o normal, usei aquele vestido decotado e romântico. Mas a realidade bateu naquele momento em que dei o último gole no décimo quinto copo de cerveja e o coloquei sobre a mesa. Suspiro.

Outro olhar flagrado. Mais quinze copos de cerveja e me enrosco nesse cara como um gato carente se enrosca no dono. Não. Não - sua ridícula - ele não quer. O amigo dele já até está de xavecando e o amigo dele não faria isso se soubesse que ele poderia estar interessado. É isso. Não quer.

O trigésimo copo de cerveja vem. E também a aceitação, o conformismo. Vou embora. Vou embora, porra. Caralho, merda.

E então, ele faz o convite. E o faz genialmente. Que de outra forma esse ser genial o faria que não genialmente? Convite discreto e certeiro. Abafado em meio às conversas da mesa. Mas eu ouvi. Ouvi e não acreditei. Pensei que talvez minha cerveja de todos os sábados havia começado a ter poderes alucinógenos. Fiquei muda, calada, esperando algum sinal, outro olhar, outra palavra. Olhei para os lados para ver se as palavras dele eram de fato para mim. E foi aí que ele perguntou de novo, para não deixar dúvidas. E foi aí que começou a promessa de uma noite feliz. Deu um sorriso, e saímos pela rua sob o olhar de desaprovação do amigo.

Aí então descobri que ele tinha as mãos macias, suaves; que era gostoso de abraçar, de cheirar, de alisar, de beijar. Que tinha o cabelo gostoso de passar a mão, que tinha pegada, timing e tudo mais. Eu estava ali, na cama, com o cara. O cara. Não conseguia parar de pensar que ele era o cara. E comecei a pensar que toda a cerveja tomada na espera daquela frase genial havia sido cerveja demais. E que ele era demais e que talvez eu fosse de menos. Não sei exatamente como, mas brochei, minha gente. Brochei. Mas ele era o cara e ainda dormiu aí, comigo, abraçado, com direito a cafuné na cabeça.

E no dia seguinte ele se foi embora lá para longe, onde todos falam com aquele sotaque que só é bonito na boca dele. E nunca mais o vi. Me restou a vontade, a fantasia com o não concretizado, o que faz dele, hoje, minha conquista inconquistável.

domingo, 4 de julho de 2010

Sobre dentes, dores e fins

Meu primeiro dente de leite amoleceu durante umas férias de julho que eu passava na casa de uma tia. Em um entardecer, minha tia pediu para ver meu dente. Eu, ingenuamente, abri a boca. Ela colocou a mão cuidadosamente, balançou o dente devagar e em fração de segundos o rancou à força. Senti o gosto de sangue na boca, abaixei a cabeça e as gotas foram caindo no chão. Só me lembro de chorar muito, atrás de um sofá, enquanto ouvia uma prima minha, dez anos mais velha, brigar com minha tia, dizendo que o dente apenas havia começado a amolecer, que não estava para cair e que ela tinha sido sádica. “Vai traumatizar a criança, porra”. Dessa frase me lembro bem.

Dali por diante, deixava meus dentes caírem sozinhos. Meu pai, minha mãe, meu irmão, professoras, o padre, o prefeito da cidade vinham tentar me convencer a arrancar os dentes moles, mas eu permanecia irredutível. Alguém havia me dito que os dentes deveriam cair sozinhos. Por que passar por aquela dor se podiam cair sem sofrimento?

O canino esquerdo caiu quando mordi uma torrada, e lá ficou ele cravado. Outro caiu (sozinho, claro) durante a noite. Quando abri a boca para escovar os dentes, vi que estava banguela. Nunca o achei. Talvez a fada dos dentes tenha tirado enquanto eu babava de boca aberta.

O melhor desse método, é que nunca doía. Eles iam embora naturalmente, sem que eu sentisse nada, sem que houvesse esforço aplicado na tarefa.

De alguma maneira trato os relacionamentos como tratava os dentes. Não arranco às pressas, espero que afrouxem e desatem naturalmente, deixo seguir o curso natural. Assim dói menos.

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