quarta-feira, 30 de junho de 2010

Noturnas

Numa noite seca e de seca, se conheceram. Trocaram olhares, palavras, impressões e telefones.

Tentaram encontrinhos durante três semanas seguidas, agendas teimosamente incompatíveis.

Lá pelas tantas - ela já mal lembrava - ele chamou:

- Tá sabendo do filme de hoje no festival?

- Opa, claro, imperdível. Tou indo pra lá.

- Ótimo. Te acho na multidão. Cerveja depois?

- Feito.

Na saída, rapidíssima troca de impressões sobre a obra-prima do genial... do estupendo...

- Ei, topa a cerveja ali em casa? É perto, umas, deixa ver, OITO quadras.

- Ah, ali do lado!

As noites já não eram secas.

- A gente tem que aproveitar quando chove pra se molhar, né? Depois, só ano que vem.

Ligeiríssima permuta de biografias. Ele tocava piano profissionalmente, escrevia, desenhava, militava.

Ela ouvia. E ele também nadava e corria e pedalava.

- E cê mora com quem?

- Tou num apê de uns amigos, meio temporário, há pouco separei do namorado...

- Saquei.

- E você, vive com a família?

- Não!

- Amigos?

- Nem.

- (...)

- É com a Patrícia.

A noite voltou a ficar seca.

- Ah, não, aí é foda.

- Cê vai ficar parada no meio da chuva mesmo?

- Ô, é sério, não tô a fim de confusão. Essa cidade é um ovo. Pô, que merda, menino!

Relampeava.

- A relação é aberta? Ela acha tranquilo?

- Ah, guria, ela era de boa, sempre foi.

- Entendo. Mas depois ela sacou que era desigual, né? Passou a se sentir idiota, percebeu que livre mesmo era só você?

- Sei lá. Acho que tem a ver com...

- Já sei: amadureceu!

- É, né? Pode ser. Dizem que quando a menina engravida, vira mulher.

Uma cigarra agonizou.


Um comentário:

  1. senhor, fazei com que essa estória não seja real, ou pelo menos que a cada minuto vá diminuindo a sua recorrência. Amém!

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