sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Quero cheirar fumaça de óleo diesel

Romper. Romper é separar, separar é dividir. Ela rompeu para dividir, dividir a cama, a casa e as expectativas. Rompeu com a sua cidade e, sem pensar duas vezes, lá
estava no Aeroporto de Congonhas, malas e coração na mão. São Paulo até então era Sampa, de Caetano, boates moderninhas, nos programas de tv, Cracolândia, nos cadernos policiais.Não tinha cheiro, textura, luz, sensação. Até então, São Paulo não era.

Cruzou a cidade como um bicho ao descobrir que gaiola tem porta. E porta abre. E foi buzina britadeira viaduto esse diabo de helicóptero na cabeça judeu travesti funcionário engravatado acreditando que tem pressa pregador pregando o cristo que não segue toda essa gente tão nervosa pela rua motoboy a mil por hora aquela massa a mil por hora até criança a mil por hora pelo centro da cidade. Tudo corria frente aos olhos, enquanto os olhos, fascinados, se acostumavam a correr pela paisagem. E a cada dia, ao ganhar uma rua nova, era, pra eles, uma imagem não sabida. E cada imagem era vivência concebida: ia somando, se infiltrando, construíndo.

E se espremeu num vagão da Linha Vermelha, bebeu cerveja olhando as putas da Augusta, cantou um samba e se encontrou como pensava. Quando se viu, já não mirava mais o alto, pois era à frente que estava seu caminho. Em pouco tempo, parecia ser das ruas, aquelas veias latejantes, pulsando vida por onde quer que percorresem.

Romper é separar, separar é dividir. Ela rompeu para dividir, dividir a cama, a casa e as expectativas. Rompeu com a cidade e, sem pensar duas vezes, lá estava no Aeroporto de Congonhas, malas e coração na mão. São Paulo de então era o Cênico, na esquina com o São Pedro, o cheiro da Fagundes, na Liberdade, era o laço com os amigos, a Cracôlandia diante dos olhos marejados. Era vivência, mistura, crescimento. Ali, então, São Paulo era dela. Voltou para sua cidade e a cruzou como um bicho ao descobrir que gaiola tem porta. E porta, depois que se abre, não há mais tranca que consiga segurar.

3 comentários:

  1. Caramba... que texto emocionante!
    Viva o olhar sobre São Paulo.
    Lindo!

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  2. Lindo... a correria da cidade (im)pressa sem pausa pontuação sem divisão sem grade de tudo aquilo quando "a gaiola abre". Muito grata pela viajem no tempo/espaço!

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  3. Coisa fina, é coisa nostra!
    Talentosa família, sucesso Marina!

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