sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sem Título

Havia música tocando baixinho. Intermitente. Pterodátilos ganem na cidade. Não. Pastilhas de freio. E descargas, dezenas delas, rugindo como pequenos leões. Uma enxurrada que ameaça desaguar sobre nossas cabeças. É uterino! É como estar no interior de um veículo cujo parabrisa é enxaguado, ensaboado - ruídos atenuados - o pequeno rodo em circuitos ovais, e então, novo enxágue. Nem um respingo sequer sobre a pele. Algo tremendamente relaxante. E chuveiros, e buzinas. O monstro desperta. E ela sorri.

Dorme, ronca, ressoa, assovia, respira; acaricio o seu ventre e ela sorri. E produz um ruído indescritível e delicioso; narinas expelem anti-séptico bucal. E então rostos afagam-se, esfregam-se, penetram-se na produção de um único acorde dissonante dos contrapontos das ambas melodias. Diversas delas. Complementares.
A verdade prestara uma visita naquela noite.

- O pior não foi tê-la perdido - eu dizia, antes disso tudo, a respeito de uma ex- namorada. "Pessoas se sorteiam", pensava: “Mergulhar no abismo é que é para poucos. Tem-se que ter estômago. Você chega ao fundo, pupilas dilatando na escuridão e há aquele filete de luz que corta o intransponível para atingir partículas de poeira. A turbulência dissipa-se, assenta-se, o filete engrossa, o abismo fica maior, e você deve ter fibra para seguir só. E quanto mais a gente disseca isso tudo, mais percebe que não quer voltar. Porque não há porque voltar. Porque voltar não existe, porque não há para onde voltar. E isso dá tanto cagaço quanto redenção, porque, por mais que essa história da perda seja triste pra diabo, não há nada como apanhar as próprias rédeas. É disso que vive o amor”.

Eu quero seguir por aqui por todo o sempre.

-A música segue tocando.
-Sempre te amarei. - Enquanto eu for completo. Quando não estou, moça: É apego.

Vinho, política e olhos claros trazem novas perspectivas ao caminho de volta. Já fazia tempo, - o corpo é mais jovem do que se pensa; o espírito é que anda enferrujado -, é bom estar nas ruas. A cidade é um banco de histórias. Ora belas, ora malditas. E àquelas memoráveis estas vias pavimentadas hão sempre de evocar.

Caminhava, então, fixando novas histórias em velhos detalhes, numa espécie de lambe-lambe mental.

E doíam-me as batatas das pernas.

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