terça-feira, 28 de setembro de 2010

Ciclo


Aos 13, contava quantos beijos já tinha dado. Aos 30, quantas transas.
Aos 40, quantos amores. Destes, quantos risíveis.
Aos 60, contava quantos beijos já tinha dado – na boca do 4º marido
E contava os dias pra chegar o sábado.

*foto: João Zinclair

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Pimba na gorduchinha

Quando nossa partida começou, ainda nem era maio
Eu toda artilheira, tu cavalo paraguaio
Na primeira etapa, amistosos, até jogamos bonito
Aí fizeste cama de gato, passaste a menina pelos meus gambito!
Mas se o jogo é jogado e só termina quando acaba,
reconsiderei
Saquei que era a zona do agrião mas fui em frente, encarei
Veio o intervalo e te ameacei com o banco;
voltaste jogando bonito, mostrando que não era manco
Então abri o jogo, comi a grama, passei fome,
superaste minha zaga e meteste ali, onde a coruja sempre dorme
Agora, perto dos 45 do segundo, és caixinha de surpresa:
posso correr pro abraço, pendurar a chuteira ou virar freguesa
Tá contigo seguir amarrando o jogo, ou de uma vez arrumar a casa
- pra eu tirar o time de campo, é só me mandar um pombo sem asa

Sem Título

Havia música tocando baixinho. Intermitente. Pterodátilos ganem na cidade. Não. Pastilhas de freio. E descargas, dezenas delas, rugindo como pequenos leões. Uma enxurrada que ameaça desaguar sobre nossas cabeças. É uterino! É como estar no interior de um veículo cujo parabrisa é enxaguado, ensaboado - ruídos atenuados - o pequeno rodo em circuitos ovais, e então, novo enxágue. Nem um respingo sequer sobre a pele. Algo tremendamente relaxante. E chuveiros, e buzinas. O monstro desperta. E ela sorri.

Dorme, ronca, ressoa, assovia, respira; acaricio o seu ventre e ela sorri. E produz um ruído indescritível e delicioso; narinas expelem anti-séptico bucal. E então rostos afagam-se, esfregam-se, penetram-se na produção de um único acorde dissonante dos contrapontos das ambas melodias. Diversas delas. Complementares.
A verdade prestara uma visita naquela noite.

- O pior não foi tê-la perdido - eu dizia, antes disso tudo, a respeito de uma ex- namorada. "Pessoas se sorteiam", pensava: “Mergulhar no abismo é que é para poucos. Tem-se que ter estômago. Você chega ao fundo, pupilas dilatando na escuridão e há aquele filete de luz que corta o intransponível para atingir partículas de poeira. A turbulência dissipa-se, assenta-se, o filete engrossa, o abismo fica maior, e você deve ter fibra para seguir só. E quanto mais a gente disseca isso tudo, mais percebe que não quer voltar. Porque não há porque voltar. Porque voltar não existe, porque não há para onde voltar. E isso dá tanto cagaço quanto redenção, porque, por mais que essa história da perda seja triste pra diabo, não há nada como apanhar as próprias rédeas. É disso que vive o amor”.

Eu quero seguir por aqui por todo o sempre.

-A música segue tocando.
-Sempre te amarei. - Enquanto eu for completo. Quando não estou, moça: É apego.

Vinho, política e olhos claros trazem novas perspectivas ao caminho de volta. Já fazia tempo, - o corpo é mais jovem do que se pensa; o espírito é que anda enferrujado -, é bom estar nas ruas. A cidade é um banco de histórias. Ora belas, ora malditas. E àquelas memoráveis estas vias pavimentadas hão sempre de evocar.

Caminhava, então, fixando novas histórias em velhos detalhes, numa espécie de lambe-lambe mental.

E doíam-me as batatas das pernas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Espelho


A gente quer é um olho pregado na nossa existência. A gente quer é testemunha, toda ela. Nunca vi um só sujeito desenquadrado. Se o fosse, nem sujeito era. A gente quer é a interpretação da gente mesmo. E não há interpretação sem quem penetre. A gente quer é um passo do lado do nosso, pra lembrar que pegada é bem de quem pisa. O que existe, existe diante o rastro. É por isso que a gente se aglutina, toda ela. Faz amigo, amor, tesão. A gente cria laço. Que laço não amarra, lembra. Lembra, pelo olho alheio, que nosso olho é visto. Se visto, existe.

A gente quer é ver a outra existência e nela enxergar o que tem ou não de nós. Nada somos, senão exclusão. Nele, o que não há de mim, o torna. Por isto, sou. Por não sê-lo, me assiste. E assim o quero. Todos nós. Ah,a gente quer é uma mão que pegue a nossa, pra provar que temos mão pra encostar.

Somos através do outro. O precisamos para nos saber. Por isto, o olho que a gente busca, é olho que admire. Quiçá, seremos o que vêem, admiravelmente.

E assim seguimos, singularmente: emparelhados.

sábado, 18 de setembro de 2010

Epitáfio


Eu escutava toda a sessão de música clássica no rádio aos domingos, com cada pontada de angústia pela sua espera que era como uma vara me partindo em duas. Sua escova de dentes desbotada no estúpido copo da pia me fazia chorar. Você me amava. Estava ali aquela prova concreta: as cerdas gastas de tanta saliva empurrada.

Eu fingia acreditar nas suas teorias baratas, porque era minha única saída. Sua voz, seu argumento, seus óculos, minha única saída para a felicidade.

Você não me beijava a boca, mas passava a mão no meu peito em público como o autêntico macho em domínio. Eu deixava. Eu era sua mesmo. Não por opção, por absoluta falta de escolha. Não tinha mais o que fazer, só aprender a esperar do jeito menos dolorido ou entediante.

E então você: pegava em outros peitos de outras mulheres que deixavam. Deixava que eu chorasse, deixava que eu te falasse de amor. Me deixava ainda em transe e penteava o ralo cabelo que lhe cobre a cabeça grande e saía da cama, da casa, do meu olhar. Dizia que tentava. Dizia isso pra tanta gente que poderia ser engraçado. Mas não era.

Você quase morreu uma quase centena de vezes. Bati o carro no primeiro quase. Ainda não, ainda precisei ouvir outras tantas falsas teorias, outras tantas despedidas. Tanta fome eu passei que comecei a achar que o estado natural da vida era esse.

Vivi em sombra, fazendo da sua imagem minha companhia diária, certeira. Era mais fácil desse jeito, você só falava o que eu queria e me sorria seus lindos dentes com sua barba ruiva no sol, cantava desafinado, me beijava até eu dormir, e só.

Um dia, passou. Estava tão acostumada com sua imagem ali, que me assustei quando ela se foi. Achei simples. Quase solucei. Era muito ar, de repente.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Rouquidão


Hoje estou seca.
Não me corre riso, nem poesia.
Estou árida feito chão sem flor.
Áspera feito espinho sozinho.
Pequena como lagarta no casulo.

Mas acredito que em mim ainda germinam grandes sonhos de borboleta.

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